A pandemia e as suas ondas de choque, a aceleração e a incerteza tornaram a transformação do modelo de negócio um tópico popular. Muitas organizações questionam-se como se reinventar para sobreviver e prosperar. Transformação, adaptação, dinâmica, evolução e inovação têm sido palavras usadas para descrever a mudança, embora a expressão inovação do modelo de negócio parece dominar. O fio condutor é que é algo novo, visto na estrutura do ‘antes e depois’ do modelo de negócio, seja a nível holístico ou nos seus componentes.
Para manterem a vantagem competitiva, as empresas têm de alinhar as suas estratégias com o ambiente externo[1]. Clayton Christensen
O que envolve o processo de mudança?
O processo de mudança envolve naturalmente riscos que devem ser analisados, ponderados e mitigados, para no processo de reinvenção não se colocar a sustentabilidade da organização em causa.
Antecedentes
A investigação dos modelos de negócio focou-se durante anos numa visão estática da empresa, num determinado momento, e não ao longo do tempo. O business model canvas é um exemplo. Dada a inevitabilidade da mudança e a sua relevância percebida, o interesse pela inovação do modelo de negócio cresceu muito nos últimos anos, até como alternativa à inovação em produtos e processos, cada vez mais difícil de criar e proteger. Mais de 50 teorias são consideradas importantes na inovação do modelo de negócio[2], como por exemplo transaction cost economics, resource-based view, dynamic capabilities, value chain analysis e ambidexterity.
A identificação e a resposta à necessidade de mudança do modelo de negócio são consideradas inevitáveis: “É provável que mesmo os modelos de negócios bem-sucedidos em algum momento precisem ser reformulados e possivelmente até abandonados“[3]. Para o sucesso, desempenho, sobrevivência e competitividade da empresa é muitas vezes determinante mudar. Hoje conhecesse melhor o fenómeno da inovação do modelo de negócio.
Entre os componentes mais importantes da mudança do modelo de negócios está a compreensão de como se reconhece a necessidade de mudança, quais os seus drivers, que fatores a restringem e facilitam a mudança como veremos a seguir.
Drivers da mudança
É comum dizer-se que os modelos de negócios devem ser “regularmente ajustados aos novos desafios“[4] e que a incapacidade de o fazer pode ser fatal para muitas empresas. São conhecidos os exemplos da Kodak e da Nokia. A necessidade de mudar o modelo de negócio é muitas vezes contextualizada na necessidade de a empresa responder às mudanças externas (normalmente mudanças nas condições do mercado e na tecnologia) para sobreviver, desenvolver-se e permanecer competitiva. A Netflix por exemplo conseguiu ir-se adaptando à evolução da tecnologia da entrega dos conteúdos aos seus clientes, desde o envio dos DVDs ao streaming que hoje temos em casa.
Mudanças externas são razões fortes, especialmente para empresas com planos de negócios inovadores. Foram identificados outros elementos com impacto na escolha e design do modelo de negócios e, portanto, também na mudança. Incluindo a disposição (e capacidade) do empreendedor (e do gestor) para mudar, o desejo de melhorar, o desempenho e a interação entre fatores internos e externos. As empresas geralmente precisam de se ajustar quando sua posição competitiva muda face e se envolvem em esforços de ‘tentativa e erro’ para compensar impactos internos e de mercado.
Fatores como a redução das restrições ou o desenvolvimento de soluções para responder às necessidades dos consumidores, podem facilitar o surgimento de novos modelos de negócios. A forma como a Apple passou do negócio dos PCs para um modelo muito mais amplo e alinhado com outros desejos dos clientes, aproveitando a tecnologia, é um exemplo paradigmático, numa empresa que alimenta uma cultura de inovação permanente.
A maior parte da literatura assume que a mudança é necessária, mas vários estudos lançam dúvidas sobre isso. Certos negócios cresceram e tiveram sucesso ao longo do tempo com modelos de negócios estáveis, e podem não precisar de mudanças para manter as vantagens. Certas empresas, especialmente orientadas para o mercado, podem escolher um modelo de negócios no início da sua vida e mantê-lo com sucesso[5].
Restrições à evolução do modelo de negócio
É importante conhecer as barreiras à mudança do modelo de negócio e os problemas associados à manutenção desse modelo após a transição.
“Poucas organizações projetaram e implementaram um modelo de negócios diferente do atual, menos ainda o fizeram mais de uma vez e apenas algumas estabeleceram uma estratégia sistemática para a inovação do modelo de negócios.”[6] Sinfield et al.
Existe uma variedade de barreiras para a transformação do modelo de negócio. As empresas podem resistir à mudança devido à dimensão da reconfiguração necessária e à possibilidade de conflito entre stakeholders, principalmente se a mudança for complexa. Da mesma forma, obstáculos cognitivos podem surgir quando os gestores que operaram dentro dos limites de um determinado modelo não estão dispostos a mudar, não sabem como mudar ou ignoram que é necessária. Essas restrições reconheceram o envolvimento das pessoas no processo e a natureza crítica das suas perceções no processo.
A adesão a uma ‘lógica dominante’ sobre como o mundo funciona e o lugar da empresa nele pode obstruir a identificação das possibilidades. Pode haver resistência porque implica afastar-se da configuração padrão da empresa e pode ser visto como incompatível com as operações atuais e a base de ativos da empresa. A reconfiguração de ativos pode incluir mudanças nos recursos e conhecimentos, bem como uma mudança para sistemas, processos e ativos únicos que são difíceis de reproduzir. A ambiguidade em torno de como a mudança pode ser implementada e seus efeitos podem resultar em demasiada incerteza e na sensação de risco[7].
Facilitadores da inovação do modelo de negócio
A investigação tem procurado compreender como os modelos de negócios evoluem e que elementos contribuem para sua evolução, embora este trabalho ainda esteja na infância. Três áreas vão-se destacando: os recursos e capacidades da empresa, o uso da experimentação e a importância de modelos paralelos em empresas que executam vários modelos de negócios.
Em primeiro lugar, os facilitadores visíveis da mudança incluem os recursos e capacidades da empresa, bem como o âmbito da atividade necessária para a transição para o novo modelo. Isso abrange a mentalidade do empresário/gestão e a sua capacidade em fazer mudanças. As características da empresa e a atitude de seus colaboradores são fundamentais, por exemplo, a vontade e capacidade de adaptação dos indivíduos, experimentação, adaptabilidade, adquirir conhecimentos, alinhar-se com o mercado e reconhecer a necessidade da mudança. Por exemplo a Rolls-Royce passou a vender horas dos motores de aviões às companhias aéreas em lugar de os vender. Passou da venda de produto para a venda de serviços, criando valor, entregando-o e capturando uma fatia importante do mesmo, aumentando o conhecimento e a fidelização.
“Certamente surgirão deceções à medida que um novo negócio é construído, mas as taxas de sucesso podem ser melhoradas se os arquitetos do modelo aprenderem rapidamente e forem capazes de se ajustar dentro de um intervalo que produza ainda um resultado satisfatório.”[8] David Teece
Em segundo lugar, a exploração e a aprendizagem são facilitadores. Como o modelo de negócio nem sempre é claro no início, especialmente em mercados voláteis, “um empreendedor pode ser capaz de intuir um novo modelo, mas ser incapaz de raciocinar e defini-lo adequadamente”[9]. O modelo pode evoluir ao longo do tempo à medida que o empreendedor ganha conhecimento e experiência e faz as adaptações necessárias.
Em terceiro lugar, os modelos paralelos têm surgido como facilitadores e parte do processo de transição do modelo de negócio. A adoção de vários modelos pode auxiliar na transição para um novo modelo e/ou fornecer um backupde curto prazo caso o modelo desejado não esteja disponível, ou seja, desconhecido. Esse formato múltiplo permite que a empresa continue a funcionar e a gerar receita enquanto faz a mudança. Isso é visto, por exemplo, no trabalho de Willemstein, van der Valk e Meeus[10] com empresas de biotecnologia numa fase inicial. Esta pesquisa evidenciou que, devido aos limites iniciais no desenvolvimento de produtos, outras atividades, como projetos externos, foram feitos no curto prazo para gerar receita. O estudo de Aversa, Furnari e Haefliger[11] mostrou como a Fórmula 1 vários de modelos de negócios simultaneamente.
Fonte AESE Insight
Em resumo, a gestão de topo deve refletir profundamente e regularmente na necessidade da mudança do modelo de negócio, conhecer as restrições e drivers dessa transformação, quais os facilitadores e, se assim decidir, como a implementar mitigando os riscos. Nesse processo é necessário aumentar o stock de conhecimento seja pela formação ou pelo alargar da rede de fornecedores ou parcerias. Deve ter critérios e objetivos de mudança bem definidos, ter o radar ligado e afinado para identificar as oportunidades e as ameaças. Conseguirá assim aumentar a resiliência e a adaptabilidade do modelo de negócio ao contexto envolvente, alinhando a estratégia e as suas capacidades. Garantirá a sustentabilidade e a satisfação dos vários stakeholders, internos ou externos.
[1] The past and future of competitive advantage. Clayton Christensen. MIT Sloan Management Review, Winter 2001.
[2] Exploring the field of business model innovation: New theoretical perspectives. Gassmann, O., Frankenberger, K. and Sauer, R. 2016.
[3] Business models, business strategy and innovation. D. Teece. Long Range planning, 2010.
[4] Online Media Business Models: Lessons from the Video Game Sector. Westminster Papers in Communication and Culture 2016.
[5] Schindehutte, M., Morris, M. H. and Kocak, A. (2008) ‘Understanding market-driving behavior: The role of entrepreneurship’, Journal of Small Business Management.
[6] Sinfield, B. J. V et al. (2012) ‘How to Identify New Business Models’, MIT Sloan Managament Review.
[7] McGregor, N. (2013) ‘Business Growth, the Internet and Risk Management in the Computer Games Industry’, in Changing the Rules of the Game.
[8] Business models, business strategy and innovation. D. Teece. Long Range planning, 2010.
[9] Chesbrough, H. (2010) ‘Business model innovation: opportunities and barriers’, Long Range planning.
[10] Willemstein, L., van der Valk, T. and Meeus, M. T. H. (2007) ‘Dynamics in business models: An empirical analysis of medical biotechnology firms in the Netherlands’, Technovation.
[11] Aversa, P., Furnari, S. and Haefliger, S. (2015) ‘Business model configurations and performance: A qualitative comparative analysis in Formula One racing, 2005-2013’, Industrial and Corporate Change.
Agostinho Abrunhosa
Professor de Operações, Inovação e Tecnologia, Secretário-Geral e Membro da Direção da AESE Business School
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