Em setembro de 2020, a Apple anunciou o novo iOS 14, pouco antes do lançamento do iPhone 12. O novo sistema operativo trouxe várias novidades excitantes como os App Clips (que permitem usar funcionalidades de uma aplicação sem ter de a descarregar), vídeo Picture in Picture (que deixa visualizar um vídeo enquanto se usa outras funcionalidades do dispositivo), predefinir o Spotify ou Tidal como player de música e chamadas (e assistente!) que não ocupam a totalidade do ecrã.
Ao nível da segurança e privacidade, o iOS 14 apresentou uma nova funcionalidade que dá ao utilizador informação de quando está a ser usada a câmara ou o microfone, acendendo uma luz verde ou amarela no canto superior direito, e que permite identificar a aplicação que está a usar estes recursos – mesmo que em segundo plano – e reportar abusos.
Além disso, os programadores passaram a estar obrigados a deixar explícito na App Store o tipo de informação que cada aplicação recolhe e usa para rastrear o percurso dos utilizadores entre várias apps e sites, sob pena de serem bloqueados da loja da Apple. Mas, enquanto estas alterações vieram melhorar a experiência de utilização e aumentar a transparência e privacidade, outras podem ter um impacto devastador nas receitas do Facebook.
Em dezembro, a Apple anunciou um update ao iOS 14 que incluía, entre outras coisas, a controversa medida App Tracking Transparency framework, que obriga as aplicações a pedir autorização para rastrear utilizadores entre plataformas detidas por diferentes entidades. Ou seja, quando fizer download de uma nova aplicação – ou a atualização de uma já instalada – , aparecerá uma mensagem que pergunta se permite que a entidade o rastreie entre apps e websites detidos por outras empresas.
Este tipo de rastreio já é facultativo e pode ser desligado nas definições, mas, por predefinição, vem ligado. Com esta medida, as aplicações terão de ter uma permissão explícita para fazer tracking dos utilizadores, i.e., um opt-in em vez de uma opção para desligar a funcionalidade.
Porque é o iOS 14 um problema para o Facebook?
O gigante de Sillicon Valley argumenta que estas alterações terão impacto no targeting, otimização e medição de resultados de campanhas e irá afetar, principalmente, as empresas que usam a plataforma para potenciar vendas através de anúncios direcionados. Teme que, com o rastreamento desligado by default, a pergunta “Permite ser rastreado?” vá resultar em recusas por grande parte dos utilizadores, dizendo mesmo que, se as pessoas optarem por não serem rastreadas, a eficiência dos anúncios personalizados vai cair a pique.
Isto é um problema para o Facebook porque as suas receitas (86 mil milhões de dólares em 2020) provêm quase exclusivamente de conteúdos patrocinados (97,9%, segundo o site Statista.com).
Num email enviado para empresas, o Facebook alega que a beneficiária destas mudanças será a Apple, prejudicando todas as áreas de negócio e a capacidade das empresas de comercializarem de forma eficiente e de crescerem através de publicidade personalizada. Adiciona, ainda, que anúncios personalizados e privacidade do consumidor podem coexistir.
O Facebook reagiu publicamente de forma veemente a estas alterações da política de privacidade da Apple e ameaçou avançar com um processo em tribunal. Está, entretanto, a empreender esforços para convencer os utilizadores a aceitarem serem rastreados. Não é para menos quando, no horizonte, está uma possível quebra nas receitas que pode ir até 50% (YahooFinance).
Anúncios menos eficazes e resultados menos mensuráveis vão gerar piores desempenhos financeiros das empresas que, em resposta, diminuirão o investimento em publicidade nesta plataforma, afirma a empresa de Mark Zuckerberg.
Esta funcionalidade estava prevista ser implementada aquando do anúncio do iOS 14, mas tem sido adiada para dar tempo aos programadores de se adaptarem. Entretanto, embora não sendo obrigatória, algumas apps já a implementaram para estar em concordância com as novas regras.
O novo iOS 14.5 está previsto para março de 2021 e a razão da controvérsia é esta mensagem:
Entretanto, dentro da Google – outro titã que faz da informação negócio –, discute-se como limitar a recolha de dados e o cross-app tracking no sistema operativo Android, mas de uma forma menos restritiva e austera, de modo a equilibrar as preocupações com privacidade, reivindicadas pelos utilizadores, com as necessidades financeiras de developers e anunciantes.
Conclusão
É crescente o sentimento de desconfiança por parte dos utilizadores face à obtenção e aplicação dada à informação que partilham com os gigantes tecnológicos (por vezes de forma velada ou coerciva).
Várias organizações esforçam-se por provar a transparência dos seus métodos e a forma inofensiva como usam esta valiosa data, mas, para muitos, fica no ar uma névoa opaca e, onde há opacidade, há desconfiança. Mesmo que afirmem, com todos os dentes, que se trata de Marketing Research com o intuito singular de nos fazer chegar anúncios e conteúdos que nos são relevantes, o mercado está a pedir transparência e respeito pela privacidade dos dados pessoais. O mercado está a pedir e a Apple chegou-se à frente.
0 comentários