As tecnologias de informação e comunicação (TIC) estão cada vez mais presentes na nossa vida. A pandemia veio mostrar-nos a potencialidade do mundo digital e por outro lado, também as problemáticas associadas ao abuso das TIC dispararam. De acordo com os dados do estudo Eukidsonline, de 2019, há uma enorme adesão às redes sociais digitais das crianças e jovens entre 9 e os 17 anos. A distribuição dos jovens portugueses que usam diariamente uma rede social, cresceu significativamente sobretudo entre os mais novos, quer em idade e género. O impacto do digital difere consoante a fase de desenvolvimento da criança e/ou jovem.
Riscos e Vantagens do Mundo Digital
Os estudos indicam que o uso moderado da internet e dos recursos digitais também pode ser benéfico para o desenvolvimento e bem-estar psicológico subjetivo e para a conectividade com os grupos. Há vantagens no uso da tecnologia, no que refere ao desenvolvimento global do indivíduo, na saúde e bem-estar, no conhecimento e aprendizagem, na comunicação à distância, no contexto recreativo e nas atividades de lazer. Em contrapartida, existem potenciais riscos do uso excessivo da tecnologia, nomeadamente, na saúde física (alterações no sono, postura incorreta, obesidade), no desenvolvimento cognitivo e socio emocional, assim como na comunicação e privacidade.
Informar e esclarecer torna-se prioritário, assim como, investir na promoção do uso saudável e seguro das tecnologias, enquanto prevenção, nos diferentes contextos onde as crianças e jovens se inserem. Torna-se necessário o envolvimento de pais, educadores e professores para um uso saudável e seguro das tecnologias, na promoção da literacia digital, ou seja, o nível de conhecimentos sobre o uso e acesso à tecnologia, nas suas potencialidades e nos seus riscos.
É fundamental que as figuras de referência sejam um modelo no presencial e no online, de forma coerente, com capacidade para gerir o número de horas do uso da tecnologia do próprio e das crianças e jovens, apostando na autorregulação do comportamento e desenvolvimento da capacidade para realizar uma supervisão parental regular do uso da tecnologia, sobretudo dos conteúdos adequados para o nível de desenvolvimento da criança e jovem. É igualmente importante a promoção e diversificação de interesses offline, tentando que estes predominem no dia-a-dia, incentivando para a vivência do mundo offline, tornando-o mais interessante e prazeroso que o imediatismo do mundo online. Não descuremos a importância da socialização nas crianças e jovens, por esse facto, o online e offline deve ser mediado, reforçando a autoestima pelas inúmeras potencialidades do offline.
Várias temáticas têm surgido, por exemplo, o recurso às “cirurgias digitais” pelas crianças e jovens, através das aplicações tecnológicas, trazendo associadas questões ao nível da perceção do individuo e de aceitação pelos pares, quando confrontadas com a imagem real, sendo necessário esclarecer e refletir, reforçando a importância da imagem corporal não pela perfeição, mas pelo real. Por outro lado, também a questão das publicações, tem sido alvo de controvérsia. O que posso publicar? Serão estes conteúdos públicos, privados ou íntimos? É crucial a promoção de reflexões sobre a comunicação e privacidade online, com esclarecimentos sobre a diferença dos conteúdos.
Cyberbullying
Outra problemática associada ao uso das tecnologias, já muito abordada, é a questão do cyberbullying, ou seja, o bullying na internet. Parece-nos claro que, com a evolução tecnológica e a proliferação de dispositivos digitais e o seu uso excessivo, tem-se assistido progressivamente a novas e preocupantes manifestações de comportamentos de cyberbullying.
Nesta realidade procuramos enquadrar o cyberbullying nas novas e diferentes formas de comunicação, comummente utilizadas por esta nova geração de nativos digitais. A comunicação online é mediada pelo écran, muito diferente das formas de comunicação presenciais.
O cyberbullying, muitas vezes, dá continuidade aos comportamentos de bullying, interrompidos no regresso a casa, desenrolando-se a qualquer hora do dia, agravando assim o contexto de violência, com recurso ao gozo e ao insulto online, e até à inversão de papéis, por vezes. Este termo descreve qualquer tipo de comportamento de agressão, ameaça, intimidação ou outra interação com o objetivo de causar dor, vergonha, medo e/ou desconforto na(s) sua(s) vítima(s), recorrendo à internet ou outros canais para exercer este comportamento. Os canais mais usados são, as chamadas, mensagens escritas (sms, mms, live messaging, correio eletrónico), mensagens de voz e/ou vídeo, comunicações em salas de chat, publicações em redes sociais, tentativas de sabotagem de redes e ou dispositivos, entre outros.
As crianças e jovens vítimas de cyberbullying assumem um caráter mais gravoso e insidioso, podendo espoletar sintomas de saúde mais intensos, muito perturbadores e de elevado risco físico, psicológico e social. Quer no domínio privado quer no domínio social, o poder das imagens e das palavras escritas, causa um grande impacto no individuo, com a agravante da repetição, já que as vítimas podem ver e rever, ler e reler, o que o agressor escreveu, divulgou ou partilhou (revivendo a experiência) inúmeras vezes.
Salientamos que, o comportamento de cyberbullying consiste num ato criminoso ou reflete a prática de um crime, e, deve ser por isso, denunciado às entidades competentes. Caso se trate de um menor, cabe ao adulto responsável efetuar a queixa ou sinalizar a situação junto de entidades que possam intervir e colaborar para a sua resolução, como a Escola ou a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ). Também os utilizadores que observem a prática deste comportamento, não deverão agir enquanto cúmplices do agressor, deverão sim, ter uma postura proativa, efetuando a denúncia do caso junto das autoridades e/ou adultos responsáveis, quando existem menores envolvidos. Concomitantemente, caso tenham uma relação de confiança com a vítima, recomenda-se procurar dar suporte à mesma e incentivá-la a denunciar este comportamento, sem nunca interagir com o agressor.
Conclusão
Concluímos que a utilidade e o recurso ao mundo digital, sobrepõe-se largamente aos riscos associados, desde que usada moderadamente. Esta Pandemia deu-nos provas das grandes potencialidades e mais valias retiradas das tecnologias de comunicação, aproximando-nos e conectando-nos nos momentos de isolamento. Hoje a nossa realidade e o Mundo mudaram, as tecnologias passaram a fazer parte definitivamente da nossa vida, dentro e fora de casa, tanto no trabalho, no lazer como nas relações, atravessando todas as idades. Como tal, consideramos muito pertinente a reflexão, mediação e supervisão no uso das TIC quando utilizadas por crianças e jovens, dando primazia à socialização presencial, onde o apelo aos sentidos é mais genuíno, quer seja através do toque, do cheiro, dos abraços, etc., proporcionando a vivência das emoções com mais genuinidade e autenticidade.
Psicóloga Clínica na Clínica do Sentir
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