Quando era miúda sempre fui bem comportada na escola. Os meus pais nunca se incomodaram muito, assim como os meus professores. Até que, no meu 3º ano de escolaridade, certo dia, levei para casa um recado na caderneta que convocava a minha mãe para uma reunião presencial com a professora. O motivo? Tinha adulterado por completo o tema da composição final que contava para a avaliação daquele período.
Por bem, quando me pediram para escrever sobre o processo de germinação de uma semente, optei por narrar a estória do meu irmão – que era ainda uma semente na barriga da minha mãe – e que, a cada dia que passava, crescia cada vez mais, enchendo-me de entusiasmo com a sua chegada. Moral da história… 0 na composição. O desvio completo ao tema levou-me à reprovação. Porque não fui eu escrever sobre a popular experiência de estudo do meio que consistia em fazer crescer um feijão num copo de iogurte com algodão molhado?
Passei toda a minha infância e juventude rodeada de temas de que gostava e que me estimulavam…ciências, línguas, música. Optei por seguir línguas e humanidades no secundário, não para fugir à bela da matemática, mas porque as palavras continuavam a ser a minha melhor forma de expressão.
Como é que entrei no mundo do marketing e comunicação?
Quando fui para a faculdade, achei que o jornalismo era o caminho certo para mim. Contar as estórias das pessoas e do mundo, partilhar a forma como o via com os outros e fazer serviço público. Contudo, para minha desilusão, rapidamente percebi que, lá fora, esse jornalismo era débil e estava já ligado ao ventilador. A sua sobrevivência dependia da máquina, de muita engenharia financeira e da sua (pouca) capacidade de resiliência (peço emprestada esta brilhante descrição ao João Figueira, Sinal Aberto, 11 de Maio 2020). Decidi que não queria ser jornalista e que as minhas palavras e ideias teriam de servir para mais do que fazer croché.
Foi mais ou menos assim que, por acaso, entrei no mundo do marketing e da comunicação, uma área que se revelou, para mim, particularmente estimulante. Desde então, tenho tido o privilégio enorme de contactar com profissionais brilhantes na área. Passei por vários setores de atividade – retalho, interior design, hotelaria, imobiliário – e, trabalhando com várias marcas ao longo do meu percurso, descobri que todas elas tinham necessidades muito específicas e que, de todas as opções possíveis, uma boa ideia era sempre a melhor estratégia, independentemente do budget, recursos e ferramentas à nossa disposição.
A pergunta que se coloca é: qual é a história que nós, profissionais do marketing e da comunicação, vamos decidir escrever quando nos derem o tema da composição?
Seremos nós capazes de (des)construir a narrativa da marca, reinventar a sua história e, mesmo assim, conservar a sua essência? Esta, parece-me, é uma questão fundamental pois todas as equipas de marketing vivem e/ou morrem dependendo da qualidade da sua inovação.
Desde cedo e, ainda hoje, ouço alguns colegas de trabalho (normalmente na copa, na pausa para o café das 10h) dizerem, em modo de desabafo, que não têm tempo para a criatividade porque estão completamente assoberbados pelas tarefas administrativas e processuais das suas empresas. E é aqui que (desculpem-me a gíria e a vulgaridade da expressão) a porca torce o rabo…
O valor de uma ideia criativa
Efetivamente parece que a criatividade é mais frequentemente comprometida e desprezada do que apoiada e cultivada nas organizações, mesmo entre as próprias equipas de marketing. Acredito, contudo, que isto acontece não pela descrença no valor de uma ideia criativa, mas antes porque há premissas que, no dia a dia, acabam por se sobrepor – os procedimentos, a maximização dos lucros, a produtividade, e os demais mecanismos de controle.
O nosso tempo é inevitavelmente finito, por isso, deve ser bem gerido e rentabilizado. À distância de um clique, podemos encontrar inúmeros artigos online relacionados com produtividade, gestão de tempo e de tarefas. Há também várias empresas de consultoria dedicadas à otimização de procedimentos, de forma a que o funcionamento de uma organização e das suas equipas se torne o mais próximo possível de um relógio suíço.
Mas a dificuldade, muitas vezes, reside em reservar tempo para a criação e para o pensamento.
Da ideia à arte de criar
Entre rever faturas, colocar os e-mails em dia, enviar os relatórios para a administração, cumprir o rigoroso calendário de reuniões, dar uma vista de olhos aos gestores de anúncios e aprovar os novos suportes de comunicação, ter tempo e predisposição mental para fazer um verdadeiro brainstorming com a equipa parece uma tarefa que, talvez, apenas se consiga fazer amanhã. Mas amanhã a história repete-se.
A arte de criar não é igual para todos os profissionais mas, uma coisa é certa: não é algo que se consiga fazer num dia absolutamente cheio de compromissos e afazeres.
Um exemplo flagrante disso é a quantidade de vezes que este artigo me foi pedido. Demorei meses a entregá-lo. Encontrar espaço e predisposição mental para uma reflexão no meio de tantos projetos exigentes, não é uma tarefa fácil. Mas é um exercício importante e é um compromisso que devemos tentar cumprir. Há inúmeros exercícios que podem ajudar-nos a estimular o nosso sentido criativo. O journaling, para mim, funciona particularmente bem.
Conclusão
O que importa é que cada profissional, à sua maneira, consiga ser capaz de reservar tempo para nutrir o seu sentido criativo. Só assim conseguiremos melhor escrever as histórias das marcas que representamos com uma abordagem completamente inovadora e disruptiva. Isto urge principalmente num ramo que se torna, a cada dia que passa, mais analítico, mensurável, quantificável e…previsível.
Todos temos a ganhar com isso e o mundo laborar tornar-se-á um sítio bastante mais interessante. Porque, acredito, no exigente mundo do marketing, o poder de uma boa ideia será sempre a melhor estratégia.
Juliana Tavares
Digital Marketing Specialist
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